ENTREVISTA com: Phantom de Las Kalles - Por Ivan Araújo

#Entrevista: Phantom de las Kalles

 

Nesta edição especial da Coluna do Gueto, bati um papo com Valter Junior, mais conhecido como Phantom de las Kalles. Sonhador, como ele mesmo se define, conheceu o Hip Hop no final dos anos 1980 e leva nas suas letras a vivência das quebradas. Diretamente do Jaraguá, região noroeste da cidade de São Paulo, para o mundo. Com passagem por várias cidades do Brasil, Inglaterra e conexões com Estados Unidos e África, o rapper busca difundir cada vez mais a cultura através de suas letras e ações sociais. A origem, a trajetória, os mitos e o que o futuro espera sobre este artista que já tem praticamente 30 anos de carreira.

Nascido em 28 de fevereiro de 1980, Phantom, foi integrante do grupo Andrômeda e é reconhecido pela potência de sua voz. Rap, Raggamuffin e Reggae fazem parte de seu repertório e influência para criar suas músicas. Participou do “Rotação 33 – Fita Mixada”, a convite de KL Jay (Racionais MCs), do programa “Manos e Minas”, da TV Cultura, entrevista para grandes veículos de comunicação. Além de seus trabalhos solo, o rapper integra o grupo Dragões de Komodo junto com Indião, Rodrigo Nonato e DJ Elvis. Espero que essa viagem possa te trazer mais conhecimento, tanto sobre o nosso convidado, quanto a cultura que vem das ruas como o Hip Hop.

 

Pergunta: Quem é o Phantom? Há quanto tempo está estrada?

Phantom: Phantom de las Kalles nada mais é que um sonhador, que sonha com um país mais justo, um país com mais cultura, emprego, menos desigualdade social. Phantom é um cara que luta para que as pessoas possam se sentir bem e ele utiliza como arma as palavras, o rap, a verbalização.

 

Pergunta: E quando começou essa trajetória?

Phantom: Minha trajetória começou em meados de 1988, por assim dizer. Meu irmão, Eliseu, que é dez anos mais velho que eu, já trabalhava de Office boy no centro e tinha um conhecimento, começou a me levar pra São Bento. Após isso, Galeria 24 de Maio e aí, eu acabei ficando vislumbrado com o movimento Hip Hop. O que mais me fascinou, foi conhecer alguns artistas que já estavam na cena, já tinham uma notoriedade e poder conversar, perguntar as coisas... Então, eu percebi que aquilo era um movimento pra mim. Eu estava tão perto de quem estava fazendo acontecer no sentido da cultura que eu também poderia ser uma peça ali naquele quebra cabeça, uma peça bem importante. A partir disso que eu bati de frente com o movimento e falei: "Meu, é isso que eu quero pra mim".

 

Pergunta: Você começou no RAP em período forte na política. Diretas, logo depois, impeachment do Collor em 1991. Apesar de o RAP ser um grito de resistência, ainda não tinha a força que tem agora. Como que o movimento era visto?

Phantom: Era notório que a negritude buscava voz e de certa forma, os irmãos procuravam se juntar cada vez mais pra ganhar força nas lutas que tinham. Mas eu era muito novo ainda, eu tinha entre oito, onze anos. Então, eu estava na fase do aprendizado acompanhando meus irmãos que gostavam da música black e não tinha tanta ideia do que estava acontecendo politicamente. Mas no sentido da música, eu vi que era uma parada bem forte de dar as mãos, se juntar, fazer acontecer e deu no que deu, o Hip Hop é esse movimento monstruoso.

 

 

Pergunta: O RAP nasceu pra ser o grito da periferia. Qual a diferença de tratamento tanto das pessoas, quanto da evolução do Hip Hop que você vê daquela época para os dias atuais?

Phantom: Tem muita diferença. Hoje, a gente é mais gente. A comunicação é bem mais facilitada, temos a enorme biblioteca chamada Google, YouTube. Naquela época, você tinha que pegar a xerox do R.G., deixava na biblioteca pra pegar um livro, tinha prazo pra entregar, renovava a data de entrega. Li o livro do Malcolm X nessa pegada. E nem li tudo! Então, as coisas mudaram muito. O Hip Hop é um movimento de comunicação de pessoa para pessoa, de conhecimento. Hoje temos nas mãos a Internet, que facilita para os MCs também. Antigamente, a gente fazia os flyers à mão e colava nos postes. Hoje faz um digital, posta no Facebook e no Instagram e as pessoas colam no seu show, por exemplo.

 

Pergunta: Lembra-se da primeira letra e sabe quantas músicas já lançou entre solo, com o Dragões de Komodo e feat?

Phantom: Cara, eu escrevia muita coisa. Ficava nos cadernos velhos, eu não cheguei a projetar nada, a colocar nas ruas. A primeira que me recordo, foi uma que fiz sobre a língua portuguesa, para um seminário da escola.

 

 

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Pergunta: Entrando nos projetos sociais e culturais, quando você começou a atuar diretamente para a comunidade?

Phantom: Olha se é que pode se dizer, eu ia bastante aos pedágios da rádio 105FM, que era uma parada mais de samba e de vez em quando tinha RAP no meio. Sempre tinha que levar um quilo de alimento e tal e aí, eu comecei a entender. Isso em meados de 1992. Eu ia com meu irmão, a gente levava para ajudar as pessoas. Aí, com o tempo, que eu fui me envolvendo no Hip Hop e participava dos eventos que arrecadavam alimentos para distribuir nas quebradas. Quando comecei a andar de skate, também tinha isso. Campeonatos locais, colar pra ouvir um som, sempre tinha arrecadação. A partir daí, eu entendi que através dessa parada cultural, a gente desenvolvia a questão social. Com o tempo eu fui aprendendo e em 2005, lançamos o disco Boca do Lixo – Volume 1, que era uma parada de reciclagem. Tinha um dos irmãos que trabalhava numa gráfica e os papéis que sobravam, a gente fazia as capas dos CDs. Usava esses papéis que iam ser descartados pra isso. De criação minha, tem a Downtown Fest, onde a entrada era um quilo de alimento para distribuição para famílias carentes.

 

Pergunta: Além da Downtown Fest, você também fazia oficinas de MCs, né?!

Phantom: Sim, sim. Na verdade, isso aconteceu de forma inusitada. Quando eu fui ver, já era oficineiro, já estava tentando passar um pouco do que eu aprendi para a gurizada. Fui quando me aprofundei em aplicar as oficinas de MCs com um pouco da minha trajetória para facilitar um pouco para as pessoas. Aqueles obstáculos que a gente passou, que eles não passem. Mês do Hip Hop, apliquei muitas oficinas. Apresentei um projeto na Escola de Artes em Osasco e fiquei lá sete meses. No CCJ (Centro Cultural da Juventude Ruth Cardoso), foram três temporadas. Mas aí, por conta da pandemia, fica difícil. Até na Inglaterra, quando fui para o Festival Espirito Brum, também ministrei oficina para menores infratores.

Mito ou verdade: Você é considerado o primeiro representante Wu Tang Clan na América Latina. Como que isso aconteceu?

Phantom: Isso é uma história que sempre venho esclarecer. Sou fã do Wu Tang Clan. E por ser fã, a gente faz um rap com as nossas características, mas também levando em conta o que os caras fazem em Nova York. Aí, a gente acabou atraindo essa galera que tem essa mesma filosofia pra perto de nós. Eu fui chamado pra participar de grupos de redes sociais mais ou menos em 2012. Num desses grupos estava o Killah Priest, do Sunz of Man, esse grupo era intitulado Wu Latino. Mas aí tem eu, o Peso Duplo, o Tom, do Função RHK, o Mistério, Mentor Samurai do Flow, Visel MC, tem uma rapa que gosta dessa filosofia. E aí eu estreitei esses laços e fiz clipe com Popa Chief, da banca Brooklyn Zu, tem um som com o Arch Nem, tá em tramite umas vozes que eu mandei pro Don Pachino. Inclusive, o instrumental vem da gravadora dele que é a Napalm Records. O Sandrão, que é um dos nossos maiores representantes, tem som com o Don Pachino. Enfim, a questão não é que eu seja O REPRESENTANTE Wu Latino. Tem vários irmãos que se identificam com essa parada e todos nós somos. Não existe uma regra. Basta ter um coração puro e gostar do que faz, tá ligado?! Fazendo um som nesse sentido, você atrai pessoas que gostam das mesmas coisas.

 

Pergunta: Você é um cara que tá sempre lançando som novo, seja feat, solo ou com o Dragões de Komodo. Tem ideia de quantas músicas têm lançadas?

Phantom: São muitos sons e eu não tenho a menção. Tem muita coisa que foi gravada com os irmãos de fora. Às vezes você grava e acaba não cantando em shows, ficam para divulgação. Prometo que um dia vou contabilizar e vou falar pra vocês.

 

E para encerrar, o que esperar do Phantom para o futuro?

Phantom: Eu tenho já pronto, um álbum chamado “Eloquente”, que será lançado após a pandemia. Por conta dela (a pandemia), criamos o “RAPodcast”, que já passa de 30 edições. Também tem o livro “As Ruas Diluídas em Ritmo e Poesia” e também soltei um, álbum todo em inglês, intitulado “Affirmation”. Hoje, eu tenho uma facilidade, por que eu capto voz em casa e mando para o Rod ou o DJ TG e eles fazem as mixagens e masterização com os beats deles. O “Eloquente”, tem a produção de Paulo Jr, Indião, Rod Zilla, TG. DJ Preto C e o Psico Prata, de Minas Gerais. DJ Jubá, DJ RM, que fez a introdução do disco “Dias Melhores Virão”, lançado em 2019. Os Dragões estão parados por conta da pandemia, mas os caras são meus irmãos. Indião, Rodrigo Nonato, Dj Elvis chegando nos scratches. A gente sabe que Dragões de Komodo é uma potencia e quando se junta, unimos forças. É uma parada que não morreu e quando menos vocês esperarem, vem uma bomba sonora até vocês.

 

O Hip Hop nasceu em Nova York, na década de 1970 e tem como criador, Afrika Bambaataa e conta com quatro elementos: o MC, o DJ, o Break e o Graffiti. No Brasil, chegou nos anos de 1980, com os encontros no centro da cidade de São Paulo e tem como precursores nomes como Thaíde, DJ Hum, Nelson Triunfo, Rappin Hood. É o grito da periferia que ecoa cada vez mais, expondo as dificuldades e as alegrias dos guetos. Mais do que um movimento artístico, o Hip Hop é um estilo de vida. Têm em seu contexto, questões culturais, sociais, educacionais e exclusão social. Phantom de las Kallez continua sonhando com um mundo melhor e trabalha para conquistar seu objetivo. 

Categoria:Coluna do Gueto por Ivan Araújo

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